domingo, 29 de maio de 2011

A arte de perder




“A arte de perder não é nenhum mistério...
Perdi duas cidades lindas. E um império...
Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente... Por muito que pareça (Escreve!) muito sério.“  (Elizabeth Bishop)

      Ainda dói, um pouco, quando penso nele, principalmente à noite, quando o tempo se acalma e a agitação do dia se dilui no cansaço e no silêncio. Ainda, é extremamente doloroso me debruçar sobre algumas lembranças: Vestígios tão delicados e doces de encontros e desencontros.

      Às vezes, recortes de toques, olhares e risos invadem meus sonhos, transformando minhas noites num palco melancólico e confuso. Ainda sonho com ele, menos, é verdade, mas o suficiente para que minhas manhãs percam o frescor e a leveza necessária para um dia feliz
.
       A arte de perder, ao contrario do que diz a poeta é triste e dolorosa. As perdas mesmo as mais insignificantes ferem e marcam. Muitas são tão graves que matam (nenhuma mãe deveria sobreviver à morte de um filho) outras fustigam, dilaceram e estimulam agressividades absurdas e muitas vezes insuspeitas. Não são poucos os amantes que ao se verem abandonados matam e morrem. Dizem que por amor, mas na verdade foi pela perda, afinal, perder é sim, muito grave!


       É muito triste perder pessoas, se distanciar, se desvencilhar do aconchego de afinidades e cuidados. Nada nem mesmo todo o dinheiro do mundo substitui o deleite e a alegria de estar cercado pelas pessoas queridas. A felicidade se resume em estar incrustada de afetos verdadeiros e desejados.
       Dizem que o mal do século é a solidão; bobagem, solidão é uma condição necessária. Afinal, é necessária boas dose de solidão para abastecer sonhos, projetos e definições. E doses extras de solidão para chorar fracassos, desilusões e abandonos. 

      O mal do século são as perdas recorrentes, os vínculos indesejáveis, os amores desaquecidos, amortalhados na indiferença e arrastados pela rotina. O mal do século é o desamor!

      Ainda dói, um pouco, quando penso nele. Ainda sou surpreendida durante meus afazeres diversos, com lembranças deliciosamente tolas, que permearam nossa história: Uma inconfidência marota! Um pecadilho inocente! Uma troca aflita de ilusões.

      Dói menos hoje do que doeu ontem, e certamente amanhã, vai doer menos ainda. E não será sem assombro que, no decorrer de um dia qualquer, ao esbarrar com seus olhos, eu não mais veja o tumulto ensandecido de minha ternura. Constatarei com pesar que são apenas os olhos desconcertados de alguém querido que eu não conheço mais.

       Nesse dia, certamente, vasculharei minhas saudades, revolverei delicadamente os sobressaltos angustiados de meu coração. Andarei a passos largos pelos vãos, agora vazios dos meus desejos. E só então, terei certeza que a dor passou. Que o amor passou! E posso enfim, caminhar passo a passo rumo a um recomeço...
      A arte de perder não é nenhum mistério!


Tânia  Fonseca.





O meu desafio é andar sozinho...

terça-feira, 10 de maio de 2011

A ausente

Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...



Vinicius de Moraes





domingo, 1 de maio de 2011

Rosas de Abril




“Rosas a me confundir... Rosas a te confundir.
São muitas, são tantas! São todas tão rosas,
Rosas de Abril!”.

   Trabalho vendendo rosas, ainda que seja um ofício que não me permitirá enriquecer, sinto-me privilegiada em lidar cotidianamente com os detalhes mais sofisticados da natureza; suas flores inúmeras e de belezas imensuráveis: são rosas, lírios, Amarílis, begônias, orquídeas...Uma variedade fascinante de cores, formato e perfumes.
   Como se não bastasse tanta beleza, sou envolvida permanentemente aos amores e afetos que são enaltecidos pelas flores, em destaque, o amor sensual. São homens apaixonados que adentram a loja com olhos inquietos, as mãos aflitas e um sorriso, assim, meio encabulado, desnudando a alma e o desejo urgente de surpreenderem e emudecerem a mulher amada...Esses, exigem o tão decantado Bouquet de rosas vermelhas e cartões com dedicatórias ingênuas e deliciosas. Chegam aflitos e saem confiantes depositam naquela profusão de rosas ruivas, uma quase certeza de um quase amor.
   As rosas também exaltam as paixões duradouras. São homens tranqüilos com o coração e o sexo saciados, que buscam nas rosas, as surpresas, as certificações do ainda amar e a valorização do tempo partilhado com a companheira. Homens exigentes, seguros, detentores de mulheres especiais. Para esses, as rosas podem ser despudoradamente coloridas: amarelas, brancas, ambiance...Um arco-íris à disposição do amor maduro.
   Também são coroados por rosas rubras, os amores clandestinos, deliciosamente ocultos. Amantes afoitos, esquivos, divididos entrem a alegria extrema e a tragédia. Os amores secretos, além de flores, requerem acompanhamento de chocolates finos, vinhos e perfumes ou outras mimosuras capazes de aquietar as culpas, mesmo as mais arraigadas.
   Amores esses que, quando são descobertos, num rasgo de pequenas tragédias amorosas, requerem rosas embebidas de desculpas, de choros e arrependimentos; São flores destinadas a repararem corações feridos; infinitamente tristes e magoados. A traição é sempre devastadora! Rosas perdidas, inquietas, numa guerra inútil e sem vencedores, onde o amor sempre perde as pessoas.
   Não nos esqueçamos de mencionar as mulheres nesses rituais ornados a flores, também elas utilizam a magia das rosas para reforçarem seus naturais atributos de sedução. São rosas despetaladas, cujas pétalas sempre rubras, serão profusamente jogadas nos leitos, em banhos de espumas, e em cenários os mais inusitados, caprichosamente preparados para a paixão. Rosas despetaladas a mercê dos caprichos de mulheres voluptuosas, ansiosas em desabrocharem junto aos braços de homens privilegiados.
   Mas, nem só de paixão sensual vivem as flores: As grandes comemorações requerem flores moldadas nos mais diversos e sofisticados arranjos. As comemorações singelas requerem flores delicadas e acessíveis como as margaridas e os lírios...E as alegrias breves, as violetas, os pequenos crisântemos e kalachues!
   O mundo das flores também comporta as tristezas e as grandes dores. As mesmas rosas que recebem alegremente os recém-nascidos, que deslumbram os noivos e convidados, que felicitam os formando e os vitoriosos e esquentam os desejos dos amantes, se revestem de silêncios e coroam os lutos, os prantos a as perdas irreversíveis. “Coroai me de rosas... e de folhas de hera... e basta!”.
   O universo das rosas não me permitira enriquecer, é fato. Mas, é comovente observar o tênue equilíbrio existente entre os homens e as rosas, entre a necessidade de se fazer amar, de amar, de despedir, de recepcionar... Utilizando os recursos mais belos, coloridos e efêmeros da natureza, suas flores: de abril, maio, junho...




































Tânia Fonseca