quarta-feira, 15 de junho de 2011

ARAGUAIA: UM RIO PRA CHAMAR DE MEU!

Após décadas de ausência, fui rever o rio Araguaia. Decidi apresentá-lo aos meus filhos: Os gêmeos de 12 e um jovem de 20 anos, nascidos ás margens do grandioso rio Tocantins e criados as margens do também grandioso, o oceânico rio Amazonas. Portanto íntimos da doçura das praias silenciosas e quentes e de uma fauna diferenciada e abundante e do “banzeiro” preguiçoso das águas límpidas, ainda que, turvas e profundas.
As expectativas definiam-se diversas: Os gêmeos ansiavam pela aventura e o inusitado do passeio; cobiçavam a pescaria e a diversão. O mais velho, sem grande entusiasmo, pensava antes nas adversidades: distância, desconforto, mosquitos, falta das últimas notícias do Brasileirão; enfim, afligia-o a quebra dos hábitos gostosamente cultivados na modernidade. Já as minhas expectativas eram de absoluto confronto, dentre o rio da minha juventude: ainda distante e tranqüilo e o rio atual: das dragas criminosas, da devastação e do abuso turístico e ambiental.
Após décadas, fui rever o rio Araguaia. Não me permiti ir como uma turista casual, afinal, era um reencontro e os reencontros exigem uma seriedade e uma elaboração peculiar. Esperei que findasse o período da alta temporada: não queria revê-lo atropeladamente em meio a uma legião de turistas, nem sempre corretos, nem sempre cordiais com a natureza. Mas, também não queria revê-lo nos meses chuvosos, onde muito da exuberância de suas cores, creditadas ao dourado de suas areias e ao sol escaldante, se perderiam para o lúgubre de chuvas infindáveis.
Aproveitei do início da primavera e percorri exatos 485 km, até a cidade de Luís Alves, muito além de Aruanã, pouco antes de Mato Grosso. O exato lugar onde ele me foi apresentado. Chegamos sob o sol escaldante das 14:00 hs. A cidade que conheci com algumas dúzias de casas, se transformara num aglomerado extenso de hotéis e pousadas, voltadas para o turismo de pesca. Barcos e barcos se debruçavam ás margens do rio anfitrião. Não nos detivemos na cidade, como já disse - Queria reencontrar o rio das minhas lembranças – percorremos, portanto, mais 4 km, para finalmente me estender sob as areias quentes, olhar aquele “mundão de água” e me deixar envolver pelas comparações e pela nostalgia de tempos delicadamente guardados.
Surpreendeu-me constatar que, apesar de todos os abusos contra suas belezas, ele conseguiu resguardar uma “belezura” desmesurada. Era comovente presenciar a natureza resistir e contornar, explenderosamente indiferente, a presença humana. Foi um contentamento sem fim, nos depararmos com uma família de ariranhas nos encarando sem nenhum temor. Tão próximas, que temi que entrassem no barco. Vários foram os jacarés, que indiferentes, saiam das águas e se perdiam entre os troncos e as raízes expostas das matas ciliares, sem nenhuma preocupação com nossa presença. E as aves então, inúmeras, confiantes e barulhentas! Mas, o que mais me encantou e deixou as crianças em polvorosa foram os botos: brincalhões, comilões e barulhentos, que nos proporcionavam sustos gostosos e uma exultação indescritível, ainda que frustrassem em definitivo a chance de uma pescaria abundante.
Lindo, lindo, lindo! O rio Araguaia continua lindo! Nosso reencontro foi doce e respeitoso. Recolhi de suas margens inúmeros resquícios deixados por gente mau caráter: garrafas, latas, sacolas plásticas. Cada impureza que eu retirei de suas entranhas, foi como um afago, um carinho. E todo o lixo que eu não deixei, além de obrigação, foi um ato de amor.
Quando parti de Goiânia e fui viver no Pará, adotei o rio Tocantins como “meu rio”. Ás suas margens registrei fases determinante da minha vida. Nos últimos dez anos já em Macapá, adotei o rio Amazonas – e me sentia muito importante de ter em meu quintal, um rio que é um mar! – em suas águas escuras e silenciosas embalei uma década de solidão.
Agora que voltei pra casa, quero um rio pra chamar de meu. Para cuidar, mimar e proteger. Para, poeticamente, colocá-lo nos braços e lhe falar de um futuro bom: sem dragas, garimpos e devastação. Tenho a convicção de que cuidamos melhor daquilo que nos pertence, que conhecemos. O rio Araguaia agora é meu! Sou detentora de um tesouro! E sinto o imperativo de preservá-lo. Voltei preparada a me aliar a grupos dispostos a torná-lo eterno. Vou assinar protestos contra sua depredação, vou fazer manifestações e declarações sobre a urgência de protegê-lo.
Parafraseando Pessoa: O maior rio do mundo, não é o Nilo, nem o Amazonas. O maior e o mais lindo rio do mundo é o que corre, aqui, nas terras em que nasci, o meu, o seu o nosso Araguaia!






Tânia Fonseca –Tâniassfonseca@hotmail.com

Um comentário:

  1. Bonito o texto.
    ...apaixonado e apaixonante.
    Revela entre declarações de amor à natureza, por meio dos rios mencionados o caráter de força e grandeza de quem o escreveu.

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